Nos contratos de locação comercial, uma das principais fontes de conflito entre locadores e locatários reside na realização de benfeitorias e acessões no imóvel alugado. A questão central envolve o direito (ou não) do locatário a uma indenização ao final da locação, especialmente quando há cláusulas contratuais que regulam essas situações. Recentes precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) evidenciam a necessidade de um cuidado redobrado na redação contratual.
Mas, afinal, qual a diferença entre benfeitoria e acessão? Como os tribunais vêm decidindo sobre a validade das cláusulas que renunciam à indenização por essas alterações no imóvel locado?
Benfeitoria e Acessão: Conceitos Fundamentais
O Código Civil diferencia benfeitorias e acessões, sendo essencial entender essa distinção:
- Benfeitorias são melhorias realizadas em um imóvel já existente. Elas se dividem em três categorias:
- Necessárias: visam a conservação do bem, como reforço estrutural ou reparos urgentes.
- Úteis: aumentam a funcionalidade do imóvel, como a instalação de divisórias.
- Voluptuárias: trazem mero embelezamento ou conforto, como um revestimento sofisticado.
- Acessão, por outro lado, ocorre quando um locatário edifica uma nova construção em um terreno ou amplia de forma substancial um imóvel existente. Essa obra passa a fazer parte do imóvel e, em regra, pertence ao proprietário ao término da locação. O artigo 1.255 do Código Civil estabelece que, se realizada de boa-fé, a acessão gera direito à indenização.
A diferença prática é significativa: enquanto as benfeitorias são acréscimos ao que já existe, a acessão envolve uma nova construção que se incorpora ao imóvel.
A Cláusula de Renúncia: Como os Tribunais Enxergam?
A Súmula 335 do STJ já consolidou que “nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção”. Assim, o locador pode inserir no contrato uma cláusula determinando que o locatário não será indenizado por melhorias feitas no imóvel.
Mas essa renúncia pode ser estendida às acessões?
O Entendimento do STJ (REsp 1.931.087/SP)
No caso julgado pelo STJ, um locatário construiu uma nova edificação no imóvel alugado para operar uma academia, com um investimento significativo de mais de R$ 1,1 milhão. O contrato previa a renúncia expressa à indenização por benfeitorias, mas não mencionava acessões.
O STJ decidiu que a cláusula de renúncia à indenização por benfeitorias não pode ser automaticamente estendida às acessões, pois renúncias contratuais devem ser interpretadas restritivamente (art. 114 do CC). Além disso, reconheceu que a obra realizada pelo locatário era uma acessão e que, tendo sido feita de boa-fé, gerava direito à indenização conforme o artigo 1.255 do Código Civil.
O Posicionamento do TJ-RS (Apelação Cível 70071686521)
Já no caso analisado pelo TJ-RS, a situação foi diferente. O contrato de locação continha cláusula expressa determinando que qualquer alteração no imóvel – seja benfeitoria ou acessão – só poderia ser realizada com autorização prévia do locador e que, independentemente de sua natureza, não haveria direito à indenização ao final da locação.
Diante dessa previsão contratual clara e da ausência de autorização formal, o TJ-RS negou a indenização ao locatário, enfatizando que a cláusula de renúncia era válida e afastava qualquer pleito indenizatório.
Conclusões e Recomendações para Locadores e Locatários
Os julgados acima reforçam a necessidade de que contratos de locação comercial sejam redigidos com clareza, especialmente ao abordar o tema de benfeitorias e acessões. Algumas diretrizes importantes incluem:
✔ Previsão expressa da renúncia à indenização de benfeitorias e acessões: É recomendável que os contratos estabeleçam claramente que qualquer modificação ou obra no imóvel dependerá de autorização do locador e que, caso seja realizada sem permissão, não gerará direito a indenização.
✔ Distinção entre benfeitorias e acessões: Para evitar interpretações divergentes, o contrato deve definir ambos os conceitos e estipular o tratamento para cada caso.
✔ Cláusula de autorização prévia: Nos contratos em que se prevê a possibilidade de obras, é prudente incluir um dispositivo determinando que qualquer alteração deverá ser previamente aprovada por escrito pelo locador.
✔ Análise da boa-fé do locatário: Mesmo havendo cláusula de renúncia, se o locador incentivou ou autorizou a realização da acessão, pode ser reconhecido o direito do locatário à indenização.
Conclusão
Os precedentes analisados deixam claro que a cláusula de renúncia à indenização por benfeitorias não pode ser automaticamente aplicada a acessões, a menos que o contrato preveja expressamente essa extensão. Portanto, para evitar litígios, a recomendação é que locadores insiram cláusulas claras e específicas sobre a necessidade de autorização prévia e sobre a renúncia à indenização tanto para benfeitorias quanto para acessões.
Essa precaução pode evitar discussões judiciais prolongadas e assegurar que ambas as partes estejam protegidas na relação locatícia.
Diante da complexidade das relações locatícias e dos impactos financeiros que benfeitorias e acessões podem gerar, é essencial que contratos de locação sejam elaborados com precisão e segurança jurídica. Contar com a assessoria de um advogado especializado em direito imobiliário garante que todas as cláusulas sejam redigidas de forma clara e equilibrada, prevenindo conflitos e protegendo os interesses das partes envolvidas. Afinal, um contrato bem estruturado é a melhor ferramenta para evitar litígios e assegurar uma relação locatícia transparente e segura.